segunda-feira, fevereiro 28, 2011

6º CAMPEONATO NACIONAL DE ESCRITA CRIATIVA: 2º DESAFIO - "Mulher sem Pátria, Mulher do Mundo"

Uma mulher tremendamente determinada e focalizada, obsessivamente, na sua carreira, está no aeroporto quando é anunciado que o voo que a iria levar para o outro lado do mundo, para o encontro mais importante da sua vida profissional até hoje, foi cancelado. O que faz ela agora?
(máximo: 400 palavras)

Ainda perplexa, Adélia de Sousa observava o painel electrónico das Partidas e Chegadas na esperança que tudo não passasse de um mero engano, desvanecendo-se, contudo, à medida que as pessoas se iam afastando da fila do check in, resignadas.

«E agora?», indagou, rodopiando-se sobre si mesma à procura de respostas. O que conseguiu encontrar foi um corrupio de gente sem rosto, passando por si; uns de partida com a bagagem carregada de sonhos, outros acabados de chegar desejosos de abraçar e beijar a saudade. Prostrada, naquele mar vivo de histórias anónimas, fechou os seus olhos e, por momentos, deixou-se embalar pelo movimento à sua volta, entregando-se de corpo e alma aos seus pensamentos. «Como cheguei até aqui?»

Adélia nascera e vivera feliz nos seus primeiros anos de vida em Angola. Porém, no dia do seu décimo segundo aniversário, recebera a notícia que teria de abandonar apressadamente o seu país com a sua mãe. «O que se passa? Porque é que o pai não vem connosco?», perguntava à sua mãe, chorosa, enquanto arrumava as suas vestes na mala de cartão. «Esta terra deixou de ser nossa, filha, mas o teu pai vai ficar por cá para não deixar que estraguem os teus brinquedos.» Fora a última vez que vira o seu pai com vida.

Passara a sua adolescência em Portugal. Porém, sofrida com a tacanhez que viria a encontrar nesta sua nova realidade, decidira, uns anos mais tarde, concluir os seus estudos em Inglaterra. Desde cedo mostrara essa sede de vencer, que tanto o seu pai lhe instigara em vida.

Após ter terminado os seus estudos com nota de mérito, Adélia construiu a sua carreira além fronteiras, tornando-se numa referência de competência, responsabilidade e de astucia para as gerações vindouras, que viam na sua pessoa um modelo a seguir.

Ser solteira sempre fora uma opção. Apesar de raiar beleza e sensualidade por onde passasse, não permitira que o seu coração lhe atraiçoasse por homem algum, limitando-se a saciar os seus desejos em encontros fugazes e noites carnais.

"Uma mulher sem pátria, uma mulher do mundo", era assim que Adélia gostava de se definir.

Agora, com 47 anos de idade, tinha em mãos o maior desafio profissional pela frente, uma proposta para um cargo de chefia numa multinacional japonesa e, certamente, não seria um voo cancelado que iria fazê-la desistir.

Reparou que as gentes sem rosto continuavam a deambular à sua volta, como se Adélia fosse invisível. Afinal, também ela era uma história anónima...

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

domingo, fevereiro 20, 2011

6º CAMPEONATO NACIONAL DE ESCRITA CRIATIVA: 1º DESAFIO - PLANO INFALÍVEL



Um dia, chega a casa e começa a ouvir as mensagens que tem no seu gravador de chamadas. Quando chega à terceira mensagem, fica parado, sem reacção. Comece a história a partir daqui.

(máximo: 400 palavras)

«Não... mas como é possível?» Incrédulo no que acabara de ouvir, voltou a carregar novamente no play do seu gravador de chamadas, para se certificar que não tinha acabado de sonhar, escutando aquela mensagem pela segunda vez:

"Xavier, sabes quem está a falar?... hum?... sou eu, o Caetano... ficaste admirado? Deves estar branco por ouvir a minha voz, não? Como podes ver, não morri... quando quiseres matar alguém, fá-lo bem feito..."

«Mas como podia estar vivo?» O plano tinha sido estudado até ao mais ínfimo pormenor: ficaria no escritório, até ser o último, com a desculpa de ter de preparar uma reunião para o dia seguinte; combinaria um encontro com Caetano numa estrada secundária, fora da cidade, para entregar o dinheiro das dívidas de jogo, o seu pecado original desde a sua adolescência; quando estivessem juntos, arrancar-lhe-ia a vida com a arma que tinha comprado a um marginal uns dias antes na Baixa; jazido, prostrado no chão, o corpo seria enfiado dentro de um plástico negro que traria consigo e abandonado num terreno baldio; por fim, regressaria para o seu escritório, como se aquelas duas horas de ausência nunca tivessem existido. Assim planeou, assim executou, sem sobressaltos ou imprevistos.

Nas duas semanas seguintes ficou atento aos meios de comunicação, constatando para seu gáudio, que não haviam feito qualquer menção sobre o assunto. Regozijou-se com o feito e com a coragem demonstrada... até... até àquele momento em que a voz de Caetano ecoou novamente pelas quatro paredes da sua sala.

Encheu o copo de whisky de malte, bebeu-o de um só trago, acendeu um cigarro, respirou fundo, pegou nas chaves do carro e saiu porta fora. «Tenho de ver com os meus próprios olhos que continuas morto.»

Chegado ao local, estacionou o carro num ermo escuro, pegou numa lanterna e dirigiu-se, pelo meio da vegetação, até onde tinha deixado o corpo. Por momentos, ficou mais descansado quando encontrou o saco onde embrulhara o cadáver. Quando se preparava para abrir o saco, um barulho atrás de si sobressaltou-o, mas menos lesto que o agressor, não conseguiu evitar uma forte pancada na cabeça e caiu redondo no chão.

Após alguns minutos inconsciente, entreabriu penosamente os seus olhos, ainda atordoado pela dor, deparando-se com a figura de Caetano debruçado sobre si.

- Espantado por me ver, Xavier? - troçando com um ar irónico - Pensavas que te livrarias facilmente de mim - e num movimento preciso, golpeou-o com a sua navalha.

Xavier sentiu algo afiado a entranhar-se na sua carne, o rasgo de dor, o pulsar do seu sangue, a agonia do corpo, a expressão de horror espelhado no seu rosto e a imagem ao seu redor a desvanecer-se lentamente. No seu último suspiro, antes de finar, interrogou-se como seria possível o seu plano ter falhado.

Morreu, naquela noite, sem ter desconfiado que Caetano tinha um irmão gémeo.