Uma mulher tremendamente determinada e focalizada, obsessivamente, na sua carreira, está no aeroporto quando é anunciado que o voo que a iria levar para o outro lado do mundo, para o encontro mais importante da sua vida profissional até hoje, foi cancelado. O que faz ela agora?
(máximo: 400 palavras)
Ainda perplexa, Adélia de Sousa observava o painel electrónico das Partidas e Chegadas na esperança que tudo não passasse de um mero engano, desvanecendo-se, contudo, à medida que as pessoas se iam afastando da fila do check in, resignadas.
«E agora?», indagou, rodopiando-se sobre si mesma à procura de respostas. O que conseguiu encontrar foi um corrupio de gente sem rosto, passando por si; uns de partida com a bagagem carregada de sonhos, outros acabados de chegar desejosos de abraçar e beijar a saudade. Prostrada, naquele mar vivo de histórias anónimas, fechou os seus olhos e, por momentos, deixou-se embalar pelo movimento à sua volta, entregando-se de corpo e alma aos seus pensamentos. «Como cheguei até aqui?»
Adélia nascera e vivera feliz nos seus primeiros anos de vida em Angola. Porém, no dia do seu décimo segundo aniversário, recebera a notícia que teria de abandonar apressadamente o seu país com a sua mãe. «O que se passa? Porque é que o pai não vem connosco?», perguntava à sua mãe, chorosa, enquanto arrumava as suas vestes na mala de cartão. «Esta terra deixou de ser nossa, filha, mas o teu pai vai ficar por cá para não deixar que estraguem os teus brinquedos.» Fora a última vez que vira o seu pai com vida.
Passara a sua adolescência em Portugal. Porém, sofrida com a tacanhez que viria a encontrar nesta sua nova realidade, decidira, uns anos mais tarde, concluir os seus estudos em Inglaterra. Desde cedo mostrara essa sede de vencer, que tanto o seu pai lhe instigara em vida.
Após ter terminado os seus estudos com nota de mérito, Adélia construiu a sua carreira além fronteiras, tornando-se numa referência de competência, responsabilidade e de astucia para as gerações vindouras, que viam na sua pessoa um modelo a seguir.
Ser solteira sempre fora uma opção. Apesar de raiar beleza e sensualidade por onde passasse, não permitira que o seu coração lhe atraiçoasse por homem algum, limitando-se a saciar os seus desejos em encontros fugazes e noites carnais.
"Uma mulher sem pátria, uma mulher do mundo", era assim que Adélia gostava de se definir.
Agora, com 47 anos de idade, tinha em mãos o maior desafio profissional pela frente, uma proposta para um cargo de chefia numa multinacional japonesa e, certamente, não seria um voo cancelado que iria fazê-la desistir.
Reparou que as gentes sem rosto continuavam a deambular à sua volta, como se Adélia fosse invisível. Afinal, também ela era uma história anónima...
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